Provisão de 17 de outubro da 1653


"EU EL-REI faço saber aos que esta minha Provisão, passada em forma de Lei, virem, que, por se me haver representado por pessoas zelosas do serviço de Deus e meu, bem e conservação do Estado do Maranhão e suas Capitanias, por seus Procuradores enviados a mim, que da prohibição geral de poder trazer gentios captivos que ao mesmo Estado mandei o anno passado, em companhia dos Capitães-móres Balthasar de Sousa Pereira, e Ignacio do Rego Barreto, não resultou utilidade alguma, antes causou grande perturbação nos moradores, e prometteu inconvenientes de consideração para o diante, por ser difficultosissimo e quasi impossivel de praticar dar-se liberdade a todos sem distincçäo: com intento de atalhar tudo, mandei vêr e considerar a materia, com a attenção que pede a qualidade della, por Ministros de letras e inteireza, e no meu Conselho de Estado.
E por ultima resolução, revogando todas as Provisões que até ao presente são passadas em contrario desta: hei por bem e mando, que os Officiaes da Camara do Maranhão e Pará, examinem, em presença do Desembargador João Cabral de Barros, Syndicante que anda no dito Estado, e em sua falta com os Ouvidores dellas, quaes dos gentios captivos, que ja o forem, o são legitimamente, com boa consciencia, e quaes não, e que os taes exames sejam approvados pelo dito Desembargador ou Ouvidores, e julgados por elle, e por este modo possa dar e dê por livres os que o forem, e por captivos os que legitimamente o foram; no qual exame e declaração se governarão pelas clausulas abaixo declaradas, sobre a fórma em que é lícito, e resolvi que póde e deve haver captiveiro d'aqui em diante, as quaes são as seguintes:
Preceder guerra justa: e para se saber se o é, ha de constar que o dito gentio livre, ou vassallo meu, impedio a prégação do Sagrado Evangelho, e deixou de defender as vidas e fazendas de meus Vassallos em qualquer parte:
Haver-se lançado com os inimigos da minha Coròa, e dado ajuda contra os meus Vassallos.
Exercitar latrocinios por mar e por terra, infestando os caminhos, salteando, ou impedindo o
commercio e trato dos homens, para suas fazendas e lavouras.
Se os Indios meus subditos faltarem ás obrigações que lhe foram postas e aceitadas nos principios das suas conquistas, negando os tributos, e não obedecendo quando forem chamados para trabalharem em meu serviço, ou para pelejarem com os meus inimigos.
Se comerem carne humana, sendo meus subditos.
E precedendo as taes clausulas, ou cada uma dellas, sou servido se lhe possa fazer justamente e captival-os, como o poderão ser tambem aquelles gentios que estiverem em poder de seus inimigos atados á corda para os comerem, e meus Vassallos os remirem d'aquelle perigo, com as armas, ou por outra via, e os que forem escravos legitimamente dos senhores, a quem se tomaram por guerra justa, ou por via de commercio e resgate; para cujo effeito se poderão fazer entradas, pelo Sertão, com Religiosos que vão a tratar da conversão do gentio: e as pessoas a que se encarregarem as taes entradas, serão eleitas a mais votos pelos Capitães-móres das ditas Capitanias do Maranhão e Pará, e cada um na sua pelos Officiaes da Camara dellas, e pelos Prelados das Religiões e Vigario Geral, onde o houver - e que offerecendo-se nas ditas entradas alguma das sobreditas clausulas de captiveiro licito, se possa usar della como acima se refere; cuja justificação se fará pelos Religiosos, que nas ditas entradas forem á conversão do dito gentio.
E para que isto melhor se possa faser, sem os respeitos particulares, que se tem experimentado, hei outrosim por bem que nenhum Governador, ou Ministro, que tiver supremo logar das ditas Capitanias, possa mandar lavrar tabaco por sua ordem, ou por interposta pessoa, nem outro fructo algum da terra, nem o mandem para nenhuma parte, nem occupem ou repartam indios, senão por causa publica, ou approvada, nem ponham Capitães nas Aldêas, antes as deixem governar pelos principaes da sua nação, que os repartirão aos Portugueses voluntariamente, pelo salario costumado, sob pena de que. os que o contrario fizerem, incorram no perdimento dos ditos bens licitamente grangeados, a primeira parte para quem o accusar, e as duas para o minha Fazenda, e de em suas residencias se lhe perguntar por esta culpa, e serem castigados, como merecer a qualidade della.
Pelo que mando aos Governadores, e Capitães-móres, e Officiaes das Camaras, e mais Ministros, e pessoas do Estado do Maranhão, de qualquer qualidade, e condição que sejam, que todos em geral, e cada um em particular, cumpram, e guardem esta Provisão, e Lei, que se registara, e estará nas Camaras em toda a boa guarda, muito inteiramente, como nella se contem, sem duvida, nem interpretação alguma; porque assim o hei por bem, serviço de Deus, e meu, conservação dos meus vassallos, bem, e augmento do dito Estado; com advertencia, que os que o contrario fizerem, mandarei castigar, com a demonstração, que o caso merecer: e esta não passará pela Chancellaria,
e valerá como Carta, sem embargo das Ordenacões do livro segundo, titulo trinta e nove, e quarenta. E se passou por seis vias.
Antonio Serrão a fez, em Lisboa, a 17 de Outubro da 1653. O Secretario Marcos Rodrigues Tinoco a fez escrever. = REI."

Referência: Beatriz Perrone-Moisés, "Inventário da Legislação Indigenista 1500-1800", in Manuela Carneiro da Cunha (org.), "História dos Índios no Brasil", São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Fonte: SILVA, José Justino de Andrade e, Colleção Chronologica da Legislação portuguesa - 1648-1656, Lisboa: imprensa de F. X. de Souza, 1856, pp. 292-293.
Transcrito por Rodrigo Sérgio Meirelles Marchini.
Para confrontar a transcrição com a fonte clique aqui, do antigo site ius lusitaniae.