Carta de Sesmaria 7 de setembro de 1562


"Carta de sesmaria da terra dos Indios da Aldeia do Espirito Santo deste Colegio.

1. Saibam quantos este instrumento de Carta de data de sesmaria virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo da era de mil e quinhentos e sessenta e dois anos, em os sete dias do mes de Setembro do dito ano, em esta cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos, em as casas da morada de mim escrivão ao diante nomeado, apareceu um requerendo dos Indios, moradores e povoadores do gentio Espirito Santo, e por ele me foi apresentada um petição e nela um despacho posto do Senhor Mendo de Sá, do Concelho de El-Rei Nosso Senhor, Capitão desta cidade e Governador Geral de todo este Estado do Brasil, de cujo traslado da dita petição e despacho tudo é o seguinte:
Senhor,
Dizem os Indios moradores da povoação do Espirito Santo que eles se apresentaram na dita povoação para aprenderem a doutrina cristã e se converterem e serem cristãos, e já pela bondade de Deus Nosso Senhor muitos deles são Cristãos e todos se dispõem para o serem, e tem feito igreja em que os ensinam Padres da Companhia de Jesus; e porque eles suplicantes tem necessidade de terras em que possam fazer semente e criações para si e os [que] descem e  para isso tem necessidade das terras e matos que estão de redor da dita povoação, que começam por baixo da tapera, donde esteve outra povoação dos antepassados, donde se mudaram à em que agora estão, partindo pela banda do campo ao longo dos midos de terra e pela tapera, que foi do Grilo, e correndo até o Rio Capicaji até da povoação de Santo Antonio, e por acima até um caminho que vai para a povoação de São Tiago, que parte de uma tapera que se chama Cuirestiba, e dai corre até o rio da dita povoação do Espirito Santo, que se chama Araragoacope, e passando o dito rio correndo pelo dito caminho que ia da povoação velha, que estava no caminho, digo, caminho que vai para São Tiago até aguas vertentes, e daí cortando ao sul até uma cerca velha de Santo Espirito para São Tiago e pelo rio abaixo até a tapera de Faoajo: pedem a Vossa Senhoria que no dito sitio lhes faça mercê de tres leguas de terra em quadra para fazerem os mantimentos e criações deles e os das sementes, e lhes mande passar a sua carta de sesmaria no que receberão mercê e esmola, pedindo eles suplicantes ao dito Senhor Governador que pela sobredita maneira lhes fizesse mercê da dita terra pera suas criações e mantimentos. E visto pelo Senhor Governador seu pedir e dizer justo; e, havendo respeito ao que na sua petição fazem menção e por lhe El-Rei Nosso Senhor [dizer] em sua carta que dê terra aos suplicantes para nela fazerem os mantimentos e criações, lhe deu a dita terra de que em sua petição fazem menção, a qual lhe concede, como pelo despacho do dito Senhor consta. E Lhas deu de sesmaria por virtude de um Capitulo de uma carta de El-Rei Nosso Senhor, cujo traslado dele e do dito despacho é o seguinte.
2. Traslado do despacho do Senhor Governador:
Dou aos Indios e moradores da povoação de Santo Espirito as três leguas de terra em quadra, que pedem, de que lhe farão sua carta em forma. Hoje, vinte dias do mes de Agosto de mil e quinhentos e sessenta e dois annos. Mem de Sá.
3. Traslado do capítulo de uma Carta da Rainha Nossa Senhora, que veiu ao Senhor Governador Mem de Sá, em que começa:
Dizem tambem que seria grande remedio para aumento e conservação da conversão dos ditos gentios repartirem-se e darem-se terras aos que já fossem cristãos, digo, e darem-se aos que fossem cristãos terras proprias e sitos e lugares para isso convenientes, em que possam fazer os mantimentos e grangearias sem lhes poderem ser tiradas, porque por não terem terras proprias alguns, depois de convertidos e apartados de seus brutos costumes, se vão para diversas partes remotas donde não podem ser doutrinados e se tornam a perder, e outros se ausentam por os proprios portugueses lhe tomarem as terras em que fazem mantimentos; tambem convem que alguns, que agora são convertidos, tenham nessa Capitania terras que lhe foram tomadas e dadas a outrem sem causa justa e que seria grã consolação e quietação tornar-se-lhe ou parte delas. Encomendo-vos consulteis estas cousas com os Padres da Companhia, que nessa Capitania estiverem, e façais nisso de maneira que vos parecer que convem ao bem e aumento da conversão e conservação dos ditos gentios e não seja escandalo a outras partes e a todos se ouçam de justiça e igualdade.
4. Por virtude do qual capitulo da dita carta, deu as ditas terras aos ditos Gentios, povoadores de Santo Espirito. E por verdade lhe mandou ser feita esta Carta pela qual manda que eles hajam a posse e senhorio das ditas terras, deste dia para todo sempre para si e para os herdeiros, descendentes e ascendentes, que após eles vierem , com tal condição e entendimento que eles lavrem, aproveitem as ditas terras deste dia por diante. E por verdade esta assinou. E eu Francisco Vidal, escrivão que a escrevi, este capitulo aqui trasladei da propria carta, que a Rainha Nossa Senhora escreveu ao Senhor Governador; e este traslado com ela concertei sem duvida, digo, sem cousa que duvida faça. Mem de Sá."

Referência: Beatriz Perrone-Moisés, "Inventário da Legislação Indigenista 1500-1800", in Manuela Carneiro da Cunha (org.), "História dos Índios no Brasil", São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Fonte: Leite, Serafim, "Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil", vol III, São Paulo: Comissão do IV Centenário, 1956, pp. 508-511.
Transcrito por Rodrigo Sérgio Meirelles Marchini.
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